Não sei se todos irão concordar com o depoimento da nossa querida amiga.
O campeonato deste ano foi cenário de comédia, drama, suspense e tragédia.
No princípio tudo corria morno e sereno. Os comentários irônicos, as críticas veementes, os aplausos, os risos e os sorrisos relativos às vozes de leilão dos adversários e de parceiros cumpriam a rotina dos torneios de Bridge.
No princípio, tudo conspirava a favor de um torneio tranqüilo e ameno.
Preponderava nos salões uma maior tolerância para as regras do jogo. Pequenos deslizes (ruído dos celulares, comentários sobre bolsas, atrasos), embora sujeitos à advertência do árbitro, não demandavam gravosas punições. Talvez pelo pequeno número de equipes em ação, ou talvez pelo amigável compadrio entre os participantes, a jovem Jaqueline, de sorriso largo, preferiu, sem contestação dos diretores responsáveis, deixar meio esquecida a severidade das normas do torneio.
Mas eis que surge a equipe do Junqueira para lembrar os rigores da competição, haja vista o caráter oficial de um Campeonato Brasileiro, com todos os seus desdobramentos legais que, no caso, alteravam as posições alcançadas pelas equipes no round robin. Depois daí, só se ouviu choro e ranger de dentes. Com a extraordinária velocidade da notícia, logo, logo, cada um à sua maneira, protagonista ou não, emitia opiniões apaixonadas com o calor vibrante das certezas definitivas.
Alguém mencionou que a lembrança do Junqueira para a norma punitiva escondia um interesse subjacente. Na verdade, expunha claramente um interesse legítimo, em benefício próprio. Se as regras existem, não importa quão festivo seja o campeonato, elas devem ser reconhecidas e aplicadas.
Mas os jogadores não se conformaram com a decisão do Comitê que acolheu a tese do Junqueira, e passaram a justificar os seus argumentos com perguntas: a norma só prevalece quando está em risco a posição do postulante no campeonato? Se a falta apontada, o atraso de duas equipes, nenhum prejuízo trouxe para a competição ou para o acusador, por que cobrar uma punição para ambas? Mais ainda. Se o árbitro, apesar de alertado para a infração, a seu exclusivo critério, não puniu os infratores, por que o Comitê de Apelação reverteu uma decisão iniludivelmente sensata? Como aplicar uma punição apoiada em um Regulamento inexistente?
São perguntas pertinentes, mas todas têm respostas; satisfatórias para alguns, mas repudiadas para muitos.
A mera pretensão do homem em fazer justiça já constitui enorme presunção.
De todo o modo, no reino do homo sapiens, a ética se sobrepõe ao bom senso, a lei se sobrepõe à ética e a justiça se sobrepõe a tudo. Assim, parece fácil eleger o bom caminho, mas a vida tem outras idéias. Encontrar o justo equilíbrio é trabalho para pouquíssimos malabaristas do direito e da verdade, entre os quais não me vejo.
Mas a despeito de todos os conflitos humanos sem solução, há sempre uma esperança de justiça quando a generosidade pede licença para participar da cizânia.
Foi o que aconteceu no Brasileiro deste ano em Florianópolis. Emílio LaRovere apresentou uma curiosa proposta conciliatória, aperfeiçoada pelo Jeovani e , afinal, moldada em sua forma definitiva pelo Paulinho.
Mas o êxito da proposta só seria possível caso fosse atendido um pressuposto quase inalcançável: a aquiescência dos irascíveis capitães. No momento em que até então só se ouvia o tilintar das espadas, apareceu o gesto inesperado do ser generoso, do abraço que desarma.
João de Deus Silva Neto, secundado por sua equipe, abriu mão dos seus interesses mediante a abdicação do seu reconhecido e inconteste direito à posição que ostentava no campeonato (terceiro lugar), para promover a concórdia e a reconciliação dos espíritos. O campeonato estava salvo.
Os dois primeiros colocados na tabela, Ernesto e Gabriel, permaneceram de fora das semifinais aguardando os vencedores dessa etapa. (João de Deus, Jeovani, Robertinho e Junqueira). Sagraram-se vitoriosos João e Junqueira. Ambos perderam em seguida para as equipes do Gabriel e do Ernesto que disputaram a final, com a vitória da primeira.
Apesar de a equipe do Gabriel levantar a taça platina do Brasileiro de 2014 (aliás, que canseira dá essa turma de ases, Gabriel, Marcelo Branco, Muzzio, Paulinho e Pellegrini ? com exceção do torneio de seleção Negra de Miranda Jordão, ganharam tudo este ano) a equipe do Ernesto (Ernesto, João Paulo, Miguelzinho, Maurício e Madala) chegou à frente do segundo colocado no round robin com uma diferença verdadeiramente surpreendente.
Parabéns aos campeões e aos vices campeões.
Venceram as duplas livres, em primeiro lugar, Beto e Adriano, em segundo, Dib e Stefano, e em terceiro Paulinho e Pellegrini. Isabella e Luís Antonio foram vencedores da dupla mista e Andréa Junqueira e Íris Vasarhely da dupla feminina. A equipe da Graça Poncioni venceu a série diamante ( Graça, Peixoto, Claudinho, Cysneiros e Assis).
Infelizmente, sem ser convidada, a tragédia atropelou os salões do Torneio e arrasou e entristeceu todos os corações. A notícia, que chegara na quarta feira, informava que um dos mais queridos bridgistas sofrera um gravíssimo AVC. Aleco morreu dois dias depois, na sexta, dia 12 de setembro. Sergio Peixoto representou a Federação no enterro e Damião e Teresa, em prantos, se encarregaram da entrega de uma coroa de flores em nome da entidade.
Voltando ao torneio, informo que a Assembleia, por recomendação da Diretoria, deliberou que o próximo Brasileiro acontecerá no princípio de novembro, no Nordeste.
Nos discursos de encerramento, cometi omissão imperdoável ao esquecer de agradecer os responsáveis diretos pelo trabalho de coordenação e execução do torneio, Beto, o Diretor comandante do show, Juju, a responsável para que tudo desse certo, Jaqueline, a árbitra competente, e Fernando, o assessor operoso. Deve-se a eles o sucesso da competição. Felizmente, Marcelo veio em meu socorro e supriu esta enorme falta.
Neste Brasileiro de Florianópolis (cidade linda) de 2014 foi criado e concedido o prêmio fair play a João de Deus Silva Neto. Por todos os motivos aqui relatados, ninguém melhor do que João para ser lembrado como o símbolo do campeonato, tendo em mira a sua admirável generosidade e espírito de renúncia em benefício do Bridge.
Entretanto, para mim e para muitos, o grande nome do torneio foi o seu maior ausente. Nosso querido amigo Aleco, de tantos e tantos anos de convívio, companheiro de inúmeras jornadas, etílicas e sóbrias, mais etílicas do que sóbrias. O seu carinho incondicional não deixava dúvida do homem afável e fraterno, Bom pai, bom amigo, amante do Bridge e de muitas mulheres.
Viveu sua curta vida com elegância e intensidade. Deixa um vazio que não pode ser preenchido, a não ser pela sua memória que jamais irá nos deixar. Em um derradeiro brinde, digo adeus a Alexandre Misk.
Assis (17/09/2014)