Good luck, darling! Thank you, darling! Ainda reverberam nos meus ouvidos, até aqui impregnados pelo ruído de increpações hostis dos adversários, essa troca de ternura verbal adocicada e sob o ritmo monocórdio do casal sueco, similar às propagandas televisivas dos anos cinquenta, que enfrentou a mim e a Jaqueline no derradeiro tempo do torneio classificatório. Nós nos levantamos daquelas cadeiras solenes sabendo que estávamos desclassificados e que nossa atuação fora inteiramente pífia. Entretanto, não nos sentimos frustrados, eis que antecipamos nossas limitações. Mas sempre fica aquele gostinho amargo de derrota no fundo, bem fundo, da gente. Posso presumir que os jogadores brasileiros, de todas as categorias, sentiram a mesma sensação desagradável. Tratava-se de uma competição desigual para as equipes do Brasil. Não há muito para tergiversar, os adversários eram flagrantemente melhores.
No princípio, tudo era festa. Encontramos Eduardo Barcerllos no aeroporto que se mostrava radiante em jogar com Gabriel. Com o seu estilo gauchesco inconfundível, Barcellos contava e recontava para mim e para Amilcar as horas de treino por Skype despendidas com Gabriel. Surpreendia-se com as vozes artificiais adotadas e ministradas pelo parceiro e as reproduzia com genuína satisfação. A parceria trabalhara mais de quarenta horas, numa média alucinante de quatro, cinco horas diárias. Ficara encantado com o apetite de Chagas pelo Bridge. Só não trataram de carteio, -“Quanto a isso, nada tenho a aprender com Gabriel, ou qualquer um, nasci com o baralho grudado no peito! ”
Amilcar suspirava, abatido, ouvindo aquele roseiral de vozes do sistema. Ele, um estudioso e apaixonado pelas minudências dos leilões competitivos, não lograra treinar uma bolsinha sequer com seu parceiro, Sergio Aranha.
Na cerimônia de recepção, sábado à noite, numa das salas de um gigantesco pavilhão, Hala Stulecia, os jogadores brasileiros em peso exibiam os seus uniformes fulgurantes: as mulheres, todas lindas, com roupas e lenços com as cores da bandeira e os homens, com seus ternos azul marinho, liderados pelo summer estiloso do Eduardo Barcellos.
O jantar, como não poderia deixar de ser, tendo em mira o elevado número de participantes, só alimentou os mais empenhados em saciar a fome. A minha turma caiu fora: Graça, Jaqueline, Tubiska, Amilcar, Orlando, Cysneiros, Lucinha e eu. Também deu errado, muitos tiveram a mesma ideia e a organização do evento não mobilizou transporte para os convidados. Pior. Situado o pavilhão em local ermo, não havia transporte nenhum. Talvez o mais grave erro cometido pela organização do mundial: falta de meios de transporte para chegar e deixar o local do torneio. Depois ela deu um jeito, mas você não esquece a falha, principalmente quando perde. Gabriel alertara, “o hotel é bem localizado, mas muito longe da competição”. Cysneiros escreveu cartas veementes de protesto, até agora sem resposta.
O jogo começou mal e terminou pior. Classificavam-se dezesseis times em cada categoria, mas só a equipe sênior (Aranha, Pedro Paulo, Amilcar, Gabriel e Eduardo), aos trancos e barrancos, na décima sexta posição, logrou ultrapassar a primeira fase do torneio. O time jovem do Brasil no livre (os irmãos Brums, Thiago, Jeovani e Emílio) apanhou como gente grande. Paulinho ainda chegou atrasado por problemas com passaporte. As moças (Heloisa, Ágota, Leda, Isabella, Caru e Lúcia) suaram a camisa e quase alcançaram o seu objetivo, mas tropeçaram no finalzinho. Melhor sorte não coube à equipe mista (Tubiska, Graça, Jaqueline, Orlando, Cysneiros e eu). No último dia lutávamos para atingir a vigésima colocação.
No dia seguinte, recebi um e-mail do Pedro Branco com sugestões para o Bridge de competição. Ele recomenda o torneio de seleção por duplas e justifica sua escolha. Mas será só isso? Discutir o regulamento de um jogo moribundo?
O Brasil, ou qualquer outro país, não pode ter sucessivas gerações de campeões. Nós tivemos uma linhagem magnífica de campeões mundiais, mas que resiste em envelhecer. Mais da metade dela ainda está aí, lúcida e vibrante (Marcelo Branco, Pedro Branco, Gabriel Chagas, Christiano Fonseca, Pedro Paulo e Robertinho). Por que esse grupo não se reúne e treina para valer durante um, dois anos, para disputar o sênior pelo Brasil? Será que têm receio do confronto com os campeões deste ano, Hamman, Zia, Martel, Meckstroth, Milner, Lall? Pois é, meus amigos, as estrelas do Bridge hoje estão no sênior.
Os jovens, então, não tão jovens assim, precisam trabalhar o triplo. Sabem tudo de Bridge, mas devem treinar com esforço redobrado para atingir a equalização do talento vitorioso, raro e excepcional, dos velhos campeões.
Realmente, o carteio fascina, mas o treino há de ser direcionado para o leilão livre e competitivo. Do exaustivo e profundo estudo dessa combinação, nasce a vitória em competições. É óbvio que o Marcelo, por exemplo, pode encontrar uma linha extravagante de carteio (uma pequena obra prima para figurar nos anais do Bridge) para ganhar um contrato impossível, mas isso não será suficiente para vencer o torneio mundial.
Melhor seguir o conselho de Churchill: sangue, suor e lágrimas.
A meu ver, o Bridge feminino precisa saber aonde quer chegar. Se deseja apenas a proeminência no hemisfério sul, ou se quer sonhar além. Todas conhecem a técnica do jogo, mas tenho segurança de que podem avançar. Algumas são implacáveis, outras acreditam que o mundo lhes deve algo, todas têm seus mistérios. Podem vencer qualquer campeonato, mas fica pra mim a impressão de ainda não sabem se é isso que almejam.
Por falar em hemisfério sul, o campeonato de Wroclaw revelou uma verdade que parecia escondida, mas agora aparece com clareza e sem subterfúgio; a extrema debilidade do Bridge na América do Sul. Três países estiveram na Polônia: a Argentina, o Chile e o Brasil. Os dois primeiros disputaram uma única modalidade (Argentina- livre e Chile-feminino) e ambos os times foram desclassificados. Venezuela, Colômbia, Uruguai, Paraguai, Peru, Equador, Bolívia passaram longe de Wroclaw. Entretanto, o Caracci estava presente. Lembro aqui uma carta endereçada, ano passado, a ele e aos demais presidentes manifestando minha preocupação com a penúria do Bridge na América do Sul em confronto com os gordos cofres da WBF, de mais de dois milhões de dólares. Nenhum dos países, respondeu, à exceção da Argentina, solidária com as reivindicações brasileiras.
No torneio da WBF, tudo é proibido. Entrar no recinto do jogo com um telefone celular é afronta maior do que fazer o mesmo portando um rifle automático, calibre 44. Os árbitros ficam por ali rondando, investigando, avaliando o comportamento porventura inadequado dos jogadores. Por inadequado, leia-se roubando. A preocupação com a lisura do jogo é admirável, mas a preocupação com o recato, com o equilíbrio, com a cortesia entre os parceiros e adversários é nenhuma.
Na categoria mista (não tenho condições de testemunhar sobre as demais), surpreendia a agressividade dos jogadores, principalmente entre parceiros. Terminado o tempo de partida, não se espere cumprimentos dos adversários, eles não virão. Alegre-se por não lhe cuspirem os dejetos do ódio advindos da derrota, ou os gracejos debochados resultantes das vitórias. Para tais atitudes, não há punições.
Não apenas isso. No desenrolar de um match de triste memória, a minha parceira deixou a mesa, inopinadamente, no meio do jogo, alegando a necessidade de ir ao banheiro. Presumi que iria tomar ar depois de uma tolice minha inenarrável, mas não, fora, sim, refrescar-se por que o adversário cheirava a falta de banho de muitos dias. Orlando levantou a tese de que eu deveria ter chamado o árbitro tendo em vista a ausência de salubridade para a prática do esporte. Quem sabe? Pode ser que a WBF obrigasse o atleta a submeter-se a uma drástica operação de higiene (sabão de coco e Bombril).
Orlando, no final, depois de agradecer a todos, mostrou-se descontente com a pouca aplicação da equipe (excetuado o Cysneiros). Eu, por outro lado, só tive agradecimentos a fazer. Fiquei encantado com Jaqueline. Ela, depois do Henrique, parece que foi contemplada pela beatitude que só as mães bem-aventuradas conhecem e transluzem, força, serenidade e alegria.
Duas curiosidades: 1) perguntei a Gabriel por que não jogava com mais simplicidade com seu parceiro, ou com maior doçura. Respondeu-me que só lhe faltava beijar a boca do gaúcho, tão carinhoso estava (pensando bem, acho que Gabriel foi sábio declinando desse beijo); 2) Jeovani e Paulinho formaram dupla para o torneio paralelo subsequente. Depois de se classificarem com folga, na iminência de jogarem a semifinal com grande chance de êxito, fizeram as malas e retornaram para o Brasil. Briga? Nada, saudade do trabalho e da família.
Vou ficando por aqui. Renovo, no fim, o meu apelo; juntem-se campeões mundiais para a disputa do sênior do ano que vem em Lyon! Talvez ainda seja cedo para vencer nessa cidade, mas é o primeiro passo para uma conquista inédita para o Brasil. Corram, enquanto ainda estamos vivos!
No princípio de novembro, passo o bastão da FBB para mãos da Bahia. Esse simples fato é suficiente para deixar a todos mais otimistas com o Bridge brasileiro. Deixo para trás as migalhas da minha gestão.
Good luck , darling! Thank you, darling!