Emilio Lèbre La Rovere
Na sua carta/resenha sobre o Torneio de Seleção de 2016, postada no site da FBB, meu amigo Assis, nosso querido presidente à época, destacou a emocionante semifinal vencida por 1 IMP pela nossa quadra (Robertinho/eu/Thiago, Sergio/Beto Brum) contra a do Gabriel (com Miguel, Diego/Marcelo CB), na última bolsa do jogo. Referindo-se a meu carteio nessa bolsa, ele se interrogava sobre a razão que tinha me levado a fazer o overtrick decisivo, ao bater um Ás e caçar um Rei seco fora da finesse, aventando hipóteses que iam da inspiração dos deuses do baralho a um prosaico erro de carteio... Ao encontrá-lo no BCRJ após a publicação da sua carta no site, fingindo-me ofendido perguntei a ele porque antes de escrever ele não havia me consultado sobre o motivo de minha linha de carteio, já que tínhamos nos encontrado várias vezes nesse período. Meio constrangido, ele me respondeu com uma provocação: “Por que você não escreve então um artigo para colocar no site da FBB e explicar a mão?”. Nove meses mais tarde, resolvi aceitar essa sugestão, à guisa de aperitivo para o Torneio de Seleção de 2017....
Eis a mão (Dador Oeste, ninguém vulnerável):
Paulinho Brum, em seu blog, ao comentar todas as bolsas do Torneio, assim sintetizou o ocorrido com esta bolsa em nosso jogo:
“O quinto e último tempo da semifinal começou com o placar Chagas 143 x 124 Mello. Após 14 bolsas jogadas, a bolsa 8 foi a última bolsa, match empatado em Chagas 170 x 170 Mello. Leilões equivalentes levaram Este a 4 copas. Nas duas mesas, a saída foi espadas. O carteador fiou, e Norte voltou paus, Rei, Ás de Sul, que jogou espadas. O carteador fez o Ás, e cortou espadas para entrar na mão. Agora os caminhos divergiram. Diego jogou o 8 de copas para a Dama da mesa, e continuou com a Dama de ouros. Norte fez o Rei, e teve de dar a entrada para uma nova finesse. 10 vazas. Na outra sala, Emilio jogou o 10 de copas. Miguel cobriu de Rei (dando a entrada para a finesse de ouros). Emilio então jogou copas para mão, e… copas para a mesa (tirando o último trunfo). E bateu o Ás de ouros. 11 vazas, 1 imp e a vitória para Mello por 1 IMP, Chagas 170 x 171 Mello”.
(P. R. Brum, http://prbrum.com/?p=710, postado em 20/04/2016, acessado em 17/01/2017)
Do meu ponto de vista, naturalmente não tinha a menor ideia de que essa última bolsa poderia ser decisiva, e que os organizadores, dando como certo um resultado igual, já estavam providenciando a preparação de um conjunto de bolsas adicionais para um desempate.... Entramos para as últimas 15 bolsas 19 IPMs atrás, e se marcamos e cumprimos 2 contratos de slam, só depois soube que não foram marcados do outro lado, e também tivemos bolsas ruins como a de um 3ST em que o Miguel acertou a saída e eu errei o carteio. Assim, o jogo parecia estar em aberto, com um resultado totalmente imprevisível.
Sobre a abertura de 1 ouros do Robertinho, respondi 1 copas, ele saltou a 4 paus e eu concluí em 4 copas, sem interferência adversária. Miguel saiu com o 8 de espadas (saída em 3as e 5as).
À primeira vista, o contrato parece depender do Rei de copas bem colocado e trunfos 3 a 2, devido à falta de entradas na mão do carteador.
Fiei a saída, para dificultar a comunicação do ataque e ganhar alguma informação. Gabriel ganhou com a Dama e voltou o 8 de paus como um raio, para o meu Rei e o Ás do Miguel. Ele prosseguiu com o 2 de espadas (mostrando número par de cartas) para o Ás da mesa. Quando consegui entrar na mão cortando espadas, o Gabriel serviu o Rei. Chegado o momento crucial, realmente fiquei surpreso ao ver o Rei de copas do Miguel cobrir o meu 10, e parei para pensar. Claro que de cara senti a paúra dos trunfos estarem 4x1.
Mas também tirei uma segunda conclusão: o Rei de ouros estava com o Gabriel. Já tinha visto na mão do Miguel Jxxx de espadas, Rei de copas e Axxx de paus, provavelmente com o J também. Nessa mão não cabia mais o Rei de ouros, pois com 11/12 PH e os 2 naipes pretos, na minha avaliação um jogador de estilo agressivo como o Miguel não teria passado, não vulnerável, sobre minha voz de 1 copas. Outros jogadores certamente poderiam usar o approach mais ortodoxo de passar e esperar a outra volta do leilão para eventualmente interferirem, mas o Miguelzinho ?! Aliás, é bom que os puristas observem que um Dobre (ou 1ST para quem joga que essa voz mostra os outros 2 naipes) da mão de Sul (com o Rei de ouros) sobre 1 copas permitiria a Norte defender 4 copas em 4 espadas, bastando acertar a jogada de paus (e trunfos 3x2) para cair só duas, uma boa defesa.
Voltei então para a mão no 9 de copas já pensando no que faria se os trunfos estivessem 4x1, minha grande preocupação, que me impedia de prosseguir destrunfando com a Dama de copas.
O que aconteceria se o Miguel negasse?
A situação seria a seguinte (mão girada por conveniência):
O mais interessante nessa mão é que se os trunfos estivessem realmente 4x1, como no diagrama acima, a melhor chance do carteador após entrar na mão com o 9 de copas é jogar ouros para a Dama, mesmo sabendo que ela deve perder para o Rei, esperando que ele esteja segundo para poder cortar a volta de espadas na mão e entrar no morto em ouros para acabar de destrunfar. Bater o Ás a essa altura só serve se o Rei estiver seco, pois se ele estiver segundo em Norte, continuar ouros vai permitir que Norte volte espadas, garantindo mais uma vaza de trunfo e derrubando o contrato, pois agora seria o morto a ficar sem entrada para destrunfar. Mas a combinação de uma distribuição 4135 em Sul (frequência de 13%) com uma 4414 em Norte (3%) é menos provável que 4126 em Sul (4,7%) e 4423 em Norte (21,5%).
Naturalmente foi um enorme alívio ver o Miguel servir a segunda volta de copas, me poupando dessa análise, cansado, na última bolsa, e nem me passou pela cabeça aproveitar para fazer a finesse de ouros, porque já tinha me convencido de que o Rei estava mal!
Agora, meu caro Assis, só nos resta torcer para que os deuses do baralho continuem em 2017 a nos brindar com mãos interessantes e finais emocionantes como esta!
Bom Torneio de Seleção para todos!