Em qualquer mão de bridge, a chance da saída ser a carta mais importante a ser jogada é muito grande. Mais contratos são ganhos (ou perdidos) na saída do que em qualquer outra carta. Por isso, não é possível chegar ao seu melhor nível bridgístico sem se dedicar, de algum modo, a aprimorar suas saídas. Se o ataque é a parte mais difícil do bridge, a saída é a parte mais difícil do ataque.
Mas isso não significa que a saída é uma questão de sorte. Pelo contrário, o bom jogador tende a sair “no furo” com muito mais frequência do que o novato. Existem alguns princípios que ajudam os experts na hora de sair, e que podem ser empregados com bom proveito por todos os jogadores.
Acima de tudo, é fundamental estudar o leilão antes de sair. Talvez a principal diferença entre o expert e o novato neste departamento é que o expert escolhe o naipe da saída, em função do leilão, e depois escolhe a carta da saída, enquanto o novato procura as combinações de cartas “tabeladas” (AK, KQ, secas, etc.) e sai de acordo com estas tabelas mecanizadas. O que não é nenhum demérito – o expert, em situações de desempate, também utiliza este mecanismo. Acontece que as situações de desempate, i.e., aquelas em que dois (ou mais) naipes estão igualmente posicionados pelo leilão como sendo uma boa saída, não são tão comuns assim. Vejamos um exemplo banal desta ideia:
Se o leilão foi 1ST-3ST, a saída com uma honra de copas é quase uma unanimidade. O leilão não nos deu nenhuma pista para ajudar na escolha entre copas e espadas, e o naipe de copas é mais seguro (graças ao 9). Se o adversário tiver A10x no morto e Kxx na mão, as duas saídas entregam uma vaza; mas se estas cartas estiverem invertidas, o 9 de copas ainda protege seu Valete.
Porém, uma pequena modificação já provoca um efeito interessante:
Com o mesmo leilão (1ST-3ST), você já teria uma certa divisão nas opiniões dos experts. Alguns sairiam ouros (o melhor naipe), com base nos mesmos argumentos apresentados acima, mas muitos sairiam de copas. Por que? Porque os naipes de copas e de ouros não são equivalentes neste leilão, ao contrário dos naipes ricos no caso anterior. Com 5 copas, o morto quase certamente teria marcado copas (transferindo). Com 4 copas, ele provavelmente teria optado por buscar um fit neste naipe (via Stayman). Em outras palavras, o leilão 1NT-3NT, na maioria dos casos, nega 4+ cartas de um rico. E isto não se aplica ao naipe de ouros.
Aqui já vemos como as inferências do leilão – e não apenas o que foi marcado, mas também o que não foi marcado – influenciam a escolha do naipe da saída. Se os naipes vermelhos fossem iguais no exemplo anterior (os dois com ou sem o 9), a saída de copas seria claramente superior. A diferença na qualidade do naipe torna a questão mais controversa.
(Vale a pena notar que as melhores duplas já estão cientes destas inferências há muitos anos, e por isso evitam o Stayman, ou mesmo o transfer, em mãos que parecem “chamar um contrato em ST”.
Quanto mais “automático” é o Stayman do morto com 4 cartas de um rico, mais indicada é a saída em um rico no leilão 1ST-3ST). Vamos ver como isso influencia a decisão de grandes jogadores em uma mão real. Em 1979, a Taca Reisinger, dos EUA (campeonato nacional apurado em board-a-match, ou seja, 0-1-2), terminou empatada, e houve uma “prorrogação” de 12 bolsas entre as duas equipes na liderança. Na 5ª mão, os jogadores em Este tinham que sair contra 3ST com:
Qual a sua saída?
Você já sabe que a pergunta está incompleta. Como foi o leilão? Bem, em uma mesa o leilão foi
E então, qual a sua saída?
O morto mostrou um certo interesse nos ricos, e o carteador negou um naipe rico com 4 cartas.
Notem que o morto tinha todo o nível de 3 para investigar um possível “furo”, pois o abridor poderia estar longo em um naipe pobre, com um doubleton rico. Ou seja, é possível inferir que o morto não está curto num naipe rico, e nem está muito fraco (xx, xxx) em algum naipe rico.
Pensando assim, Bobby Levin saiu no seu melhor naipe, pequeno paus. Na outra sala, o leilão foi:
E aí, qual a saída?
Ira Rubin tinha essas cartas. Ele raciocinou do seguinte modo: o morto não tem 4 copas (ou teria optado por Stayman, mesmo com 54 nos ricos). O carteador pode ter 4 copas, mas também pode ter 4 paus, ou 4 ouros... e na verdade ele terá 5 paus (ou 5 ouros) com muito mais frequência. Ou seja, na pura “conta de cartas na mão do carteador”, é mais fácil ele ter menos copas. A soma das duas inferências levou ele à saída de pequena copas.
A mão inteira:
Vejam que os dois saidores “leram” corretamente as inferências disponíveis em seus respectivos leilões. Mas um deles acertou no furo (copas), e o outro deu uma vaza na saída (paus). Como de costume, a saída foi a carta mais importante da mão.
Para terminar este capítulo (o tema é extenso, e ainda nem exploramos contratos com trunfo!), vejamos uma mão do nosso Gabriel Chagas que decidiu um campeonato sulamericano há mais de 40 anos.
Ele tinha algo como QJxxx AQx x xxxx, e ouviu o seguinte leilão, estando em 4ª posição:
Gabriel raciocinou do seguinte modo: O carteador claramente tem uma (ou duas) pegas de espadas.
E o morto espera fazer o contrato correndo os paus. A figuração de paus do Gabriel não parece boa para o ataque. Com 4 brancas, a chance dos paus correrem (ou talvez do parceiro ter uma honra seca que caia logo, imaginem algo como KJ10xxx e Ax nos adversários) é enorme. Ou seja, para que a saída de espadas seja a melhor, o parceiro precisa ter uma honra de espadas e uma pega de paus; se ele não tiver esta pega de paus, o carteador provavelmente correrá 9 vazas, mesmo que o naipe de espadas fique firme na saída. A entrada em copas será usada tarde demais. Por outro lado, os adversários não buscaram um fit em copas, mesmo tendo marcado este naipe.
Naquela época não se jogava o dobre de apoio, de modo que o morto tenderia a apoiar copas com 3 cartas e um naipe longo de paus; mesmo que não fizesse isso na segunda volta do leilão, certamente teria feito na terceira. Ou seja, as copas dos adversários aparentemente estão 2-4, ou talvez mesmo 1-4 nas mãos deles. Assim, há uma boa chance de se pegar o parceiro com algo proveitoso em copas; e mesmo que isso não ocorra, é difícil que a saída de Ás de copas entregue a nona vaza caso o parceiro tenha mesmo a tal pega de paus (caso ganhador da saída de espadas). Em outras palavras, ele poderia sair com o Ás de copas e trocar para espadas se ele decidisse que espadas era mesmo o melhor naipe do ataque. Dependendo do morto e da carta do parceiro, ele tomaria sua decisão. Isso só seria desastroso se o Rei de copas (do carteador) fosse a nona vaza de uma mão em que o parceiro tem pega de paus e uma honra de espadas, na qual o carteador não precisasse mais dos paus para chegar a 9 vazas. Tente montar esta mão. Não é fácil.
A estória tem um final feliz para nós, brasileiros. O morto tinha xx Jx AQx KQJxxx e o carteador tinha Kxx 9xxx KJxx Ax. A leitura do Gabriel foi perfeita, e o ataque cobrou 4 copas e 1 espadas na saída.
Claro que a saída de espadas não entrega, se o Pedro Paulo Assumpção acertar a volta de copas.
Você acertaria essa volta, com Jx no morto e K10xx na sua mão? Não é mais fácil continuar com espadas e torcer para o parceiro ter o Ás de paus? Parabéns ao Gabriel por facilitar a vida do ataque com essa saída (que poderia ter derrubado em diversos outros cenários, p. ex. Kxx K10xxx xxxx x com o parceiro, e J seco de copas no morto). Moral da estória – antes de sair, tente visualizar, o mais possível, as cartas dos adversários e do parceiro. Cada leilão está repleto de dicas, inferências e informações (inclusive do que não foi marcado). E não se esqueça de ir fazendo isso ao longo do leilão, para que a sua saída não demore uma eternidade (o que vai ajudar o carteador a entender o que está se passando na sua cabeça!).