O bom e velho golpe da tesoura

Emilio Lèbre La Rovere

Os bridgistas do Rio de Janeiro deveriam valorizar mais e prestigiar com maior comparecimento o Torneio de Duplas das quintas-feiras à noite. Certamente lá não encontrarão as emoções e tensões de um Torneio de Seleção, mas poderão apreciar com calma e tranquilidade a beleza da estética de nosso esporte predileto.

Vejam por exemplo esta mão (girada por conveniência), ocorrida em um desses torneios no ano passado:

Sul abre de 1♥, Norte abona em 3♥ e Sul conclui o leilão em 4♥. Oeste sai de D♣, Leste faz o A♣ e muda para pequena copas. O carteador joga a D♥, que faz a vaza com Oeste servindo uma pequena. E agora, como você continuaria?

Como as duas espadinhas do morto podem ser baldadas nos ouros da mão, à primeira vista, o contrato depende de se acertar a jogada e conseguir uma vaza em espadas. Mas uma análise mais cuidadosa mostra que isto não basta. Se os trunfos estiverem divididos 3 a 1 e o adversário que tinha inicialmente ♥Axx conseguir jogar mais duas vazas de trunfo, o carteador poderá ficar limitado a somente 9 vazas (4 trunfos da mão, um corte no morto, as 3 cabeças de ouros e a vaza de espadas). Sua única chance nesse caso seria de obter 2 vazas em espadas, mas para isso precisaria encontrar ♠AD(xx) com Oeste e acertar a jogada no naipe passando o V♠ da mesa. O inconveniente é que a probabilidade desta figuração ocorrer é baixa, da ordem de apenas 25%.

As duas primeiras vazas levam a crer que é bem mais provável que os trunfos realmente estejam 3 a 1, pois nenhum dos adversários jogou A♥ e copas. Portanto, as perspectivas não parecem muito promissoras para o carteador, e seria melhor encontrar outra linha de jogo, com uma probabilidade maior de sucesso. Como?

Em busca de mais informações, o carteador bate ♦ARD baldando duas espadas do morto. Oeste serve pequena três vezes e Leste serve pequena, 10 e Valete. Os ouros parecem estar divididos 5 a 3, com 3 cartas em Leste e 5 em Oeste. Surge então a possibilidade de outra linha de carteio, com uma probabilidade cerca de duas vezes maior do que a anterior!

Qual?

Com 5 ouros em Oeste e 3 em Leste, parece bem mais provável que seja Leste o adversário com 3 trunfos inicialmente. Se o naipe de espadas for jogado de modo a evitar que Leste pegue a mão, ele não poderá jogar trunfo duas vezes. E para isso, não é necessário que Oeste tenha ♠AD, basta que tenha somente o A♠ (cerca de 50% de chance).

Após as 3 vazas de ouros, o carteador joga espadas da mão e quando Oeste serve pequena, joga o R♠, que faz a vaza. A posição, no final de 7 cartas, fica assim:

Este é o momento da manobra crucial do carteador, ao usar o bom e velho “golpe da tesoura” para cortar as comunicações entre os adversários: após voltar à mão cortando paus com pequeno trunfo, ele joga sua última carta de ouros, uma pequena. Oeste cobre com o 9, e o carteador descarta o V♠ da mesa.

Leste, não tendo mais ouros, não tem saída: se corta de pequena, depois só lhe sobra o Ás de trunfo para bater, e o morto fica com 2 trunfos para cortar as duas espadas perdedoras da mão; e se balda espadas ou paus, o carteador termina o carteio em corte cruzado (novamente se Leste recortar com seu A♥ também só poderá jogar trunfo mais uma vez).

 

A mão completa era a seguinte (mão girada por conveniência):

Com esta linha de carteio, o contrato só pode ser derrubado se Oeste acertar a difícil saída de seca de trunfo, permitindo a Leste jogar trunfo uma terceira vez quando ganhar a mão com o A♣.

A mão ilustra bem o mecanismo de funcionamento do golpe da tesoura: perdedora sobre perdedora para evitar dar a mão ao lado perigoso. Simples e elegante, não?

Naturalmente, se Leste servisse x, 10 e V com uma figuração original de V109x em ouros e Oeste estivesse com ♠AD(xx), o carteador teria caído em um contrato batido que ganharia com a jogada camponesa de pequena para o V♠. Analogamente, se Oeste tivesse ♦V109xx e servisse x, 10 e V, induziria o carteador a retomar a linha de carteio de jogar pequena espadas para o V♠ e cair duas. Nesses casos, só lhe restaria felicitar os adversários pelas brilhantes jogadas de decepção. Mas isso já é tema para outro artigo...